quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Borboleta Preta;

Sobre as obras clássicas para o vestibular, mantive uma maneira minha de escrever, mostrando pontos que gostei, e explicando como lembrança a mim mesma, o que ocorria no tal enredo. Este farei diferente, ficará longo, mas irei postar aqui, um capítulo curto do livro, que muito me prendeu as palavras, e o que elas poderiam significar. Eis o capítulo 31, de Memórias Póstumas de Brás Cubas;


[...]

No dia seguinte, como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra como a outra, e muito maior do que ela. Lembrou-me o caso da véspera, e ri-me; entrei logo a pensar na filha de Dona Eusébia, no susto que tivera e na indgnidade que, apesar dele, soube conservar. A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa;sacudi-a, ela foi pousar na vidraça; e, porque eu sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de um velho retrato de meu pai. Era negra como a noite; e o gesto brando com que, uma vez posta, começou a mover as asas, tinha um certo ar de escaninho, uma espécie de ironia mefistofélica, que me aborreceu muito. Dei de ombros, saí do quarto. mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão dos nervos, lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu. Não caiu morta; ainda torcia o corpo
e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me; tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde. a infeliz expirou dentro de alguns segundos. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado.
-Também por que diabo não era ela azul? disse eu comigo.
Esta reflexão,-uma das mais profundas que se tem feito desde a invenção das borboletas,- me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma simpatia, confesso. Imaginei que ela saíra do mato, almoçada e feliz.A manhã era linda. Veio por ali a fora, modesta e negra, espairecendo as suas borboletices, sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas. Passa pela minha janela, entra e dá comigo. Suponho que nunca teria visto um homem; não sabia, portanto, o que era o homem; descreveu infinitas voltas em torno do meu corpo, e viu que me movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino, uma estatura colossal. então disse consigo: "Este é provavelmente o inventor das borboletas." A ideia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e ela beijou-me na testa. Quando enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a pedir-lhe misericórdia. Pois um golpe de toalha rematou a ventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes , contra uma toalha de rosto, dois palmos de linho cru. Vejam como é bom ser superior ás borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura na vida. não era impossível que eu atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era. Esta última ideia restituiu-me a consolação. uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo. aí vinham já as próvidas formigas....Não, volto à primeira ideia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.


Vejo um certo preconceito em relação a pobre borboleta ... mas isso é narrado de uma forma tão esplêndida!!! O livro em si, é um tanto quanto chato, afinal é um morto quem narra suas memórias, portanto acabam ficando confusas, mas, mesmo um livro chato, sendo de Machado de Assis, torna-se encantador.

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