terça-feira, 2 de abril de 2013

Agora escolha o que você quer...



     Me lembro de ouvir essa frase ainda muito pequena, enquanto minha mãe apontava uma enorme vitrine de sapatos. Quando somos crianças, vemos tudo maior e mais bonito. E me parecia uma tarefa complicada, escolher uma opção dentre tantas em meio a uma vitrine iluminada. Passavam-se longos minutos, ou mesmo horas ali sem saber o que fazer com meu direito de escolha, enquanto testava a paciência materna cedida; enfim a paciência acabava, e minha mãe me apresentava outra sensação, a de ser pressionada. 
- Não temos toda a vida pra isso, e você precisa saber o que quer.
Enfim eu tomava uma decisão, escolhia. Afinal não ter toda a vida me parecia algo sério, e precisar saber o que querer também, mesmo não tendo nenhuma consciência intelectual do que isso significava. E eu escolhia. Nunca minha escolha era alcaçável. De uma forma estranha e triste pra mim, quanto criança, nunca havia a opção que eu tomava de escolha com tanta dificuldade. 
- Não temos seu número nesse modelo; dizia a vendedora.
 Como não tinham meu número? Eu havia escolhido! A vitrine estava lá, com a opção pra que eu escolhesse. Estava ao alcance dos meus olhos, eu já havia imaginado o momento de calçar, de caminhar, de me sentir completa com aquela escolha! Mas ela não me servia, não estava disponível além do meu olhar. Eu teria de tomar outra decisão, ter uma segunda opção, o que me fazia pensar que seria infeliz, já que houve ali uma opção antecedente. Haveria um vazio pra me lembrar, que eu não teria feito aquela escolha, e sim ela teria me escolhido ?
Lá ia eu, em toda minha insignificância, escolher outro modelo de "escolha". Olhava aquele que já teria passado pelo meu olhar, mais rapidamente, não com tanta paixão. Sentia uma certa piedade de ele ser minha segunda opção. Pedia, provava, servia, sentia ser confortável. 
A decisão era tomada com um olhar de aprovação maternal, minha mão estava segura por ela. Mas ao sair da loja, eu saberia que iria olhar minha primeira escolha e lembrar que aquela não me foi disponível por não me servir. Afinal, o que ela estaria fazendo ali se dispondo pra que eu a pudesse desejar?
Talvez estivesse ali para que eu me lembrasse de que ela não me era disponível apenas por não ser. E que a escolha tomada estaria comigo em bons momentos, me daria a tal completude sem que eu percebesse. Me auxiliaria a cada passo até que enfim, pudesse obter por ela, amor. E quando enfim eu pudesse perceber tal sentimento, já estaria o sapato apertado. E eu teria então que recomeçar minha escolha por outro sapato. 

Nenhum comentário: